REPORTAGEM: A dor de receber os ossos dos filhos em uma caixa
Realidade vivida por mães de Itaúna é refletida na Série Eric, da Netflix
Por Helem Lara
17 de Junho de 2024 às 10:57
A nova série da Netflix, Eric, estrelada por Benedict Cumberbatch(Dr. Estranho),traz à tona, entre outros assuntos, o desespero que envolve as famílias de pessoas desaparecidas. O tema é doloroso e já nos primeiros capítulos a série mostra o quanto a falta de notícias sobre os desaparecidos abala as pessoas próximas.
A dor de uma mãe mostrada na série da Netflix reflete o drama vivido por duas mães de Itaúna. Cecile (Adepero Oduye) vai toda semana à delegacia em busca de notícias do filho Marlon (Bence Orere) e está constantemente ligando para o detetive para saber como estão as investigações. Da mesma forma, duas mulheres de Itaúna também viveram essa experiência de ir constantemente à delegacia em busca de notícias dos filhos desaparecidos.
Ambas as mães itaunenses, assim como a mãe representada na ficção da Netflix, também tiveram a pior das notícias: seus filhos foram assassinados.
No ano passado, em Itaúna, essas duas mães receberam da polícia uma caixa contendo os ossos dos filhos que estavam desaparecidos há anos.
Flávia, mãe de Douglas, que tinha apenas 12 anos de idade quando desapareceu, ficou sem notícias do filho durante longos 10 anos. Durante todo esse tempo ela foi constantemente à delegacia em busca de notícias sobre as investigações. Durante 10 anos ela foi para a cama sem saber onde o filho estava. A procura terminou em setembro do ano passado quando o escrivão Franco Vasconcelos, da área de Desaparecidos da Delegacia de Polícia Civil de Itaúna, pegou a investigação do desaparecimento de Douglas como missão. Depois de muitas pesquisas ele encontrou nos arquivos o registro de uma ossada com características semelhantes à descrição feita por Flávia sobre Douglas. O exame de DNA confirmou que os ossos eram mesmo do menino. Douglas foi brutalmente assassinado por pessoas que suspeitavam que ele teria furtado uma bicicleta.
Outra mãe, que não terá o nome revelado a pedido da Polícia Civil, uma senhora de 80 anos de idade, também foi presença constante na Delegacia de Itaúna durante dois anos. Um dia o filho dela saiu de casa para trabalhar e não voltou mais. Sempre que ficava sabendo de qualquer notícia que pudesse levar ao paradeiro do jovem, a mulher ia até a delegacia ou telefonava para saber se era ele. Até que, em outubro do ano passado, ela também recebeu a informação de que seu filho havia sido assassinado. Depois de feitos exames de DNA que comprovaram a identidade do corpo encontrado, a mulher de 80 ano de idade recebeu uma caixa contendo a ossada do filho. As circunstâncias da morte dele estão sendo investigadas pela Polícia Civil.
Confira entrevista com o escrivão da Área de Desaparecidos da Delegacia de Polícia Civil de Itaúna, Franco Vasconcelos, responsável pela condução das investigações que levaram à conclusão desses dois casos:
De acordo com os dados da plataforma on-line da Polícia Civil de Minas Gerais, Microsoft Power BI, com informações sobre pessoas desaparecidas, em Itaúna 179 pessoas desapareceram de 2019 até o dia 7/6 de 2024. Destas 146 pessoas foram localizadas, o que deixa um déficit de 33 pessoas que ainda não foram encontradas.
Os dados mostram que o maior número de pessoas consideradas desaparecidas foi registrado em 2019, quando as informações começaram a ser digitalizados. Naquele ano, 42 pessoas desapareceram em Itaúna e 34 foram localizadas. Em 2024, até o momento, temos 14 pessoas desaparecidas e 11 pessoas localizadas.
O Delegado João Marcos, responsável pelo setor de pessoas desaparecidas na Delegacia de polícia de Itaúna, explica que os desaparecimentos na população da cidade acontecem prioritariamente entre pessoas do sexo masculino, enquanto a idade e a escolaridade variam.
Ele também fala sobre quando e como as pessoas devem agir em caso de desaparecimento de familiares ou amigos, desmentindo uma falsa premissa de que é necessário aguardar um período de 24h antes de prestar queixa na polícia.
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) lançou no início de junho na plataforma on-line Microsoft Power BI, dados sobre pessoas desaparecidas e localizadas em todo o estado. Os dados, disponibilizados para consulta pública, podem ser acessados pela internet. Por meio desse serviço, é possível analisar de forma detalhada o cenário referente ao desaparecimento de pessoas em Minas Gerais, desde 2019 até atualmente.
A plataforma mostra de forma estratificada os dados de pessoas desaparecidas e localizadas ano a ano e também por meses. Mostra também, a estratificação dos dados de acordo com a idade, escolaridade, cor da pele e sexo masculino ou feminino.
Segundo o diretor de Estatística e Análise Criminal da Superintendência de Informações e Inteligência Policial (SIIP/PCMG), delegado Diego Fabiano Alves, os dados sobre o quantitativo, bem como o perfil das pessoas desaparecidas e localizadas, foram extraídos da Base Integrada de Segurança Pública (Bisp), onde constam informações obtidas do sistema do Registro de Evento de Defesa Social (Reds). “Isso ressalta o quão é relevante o preenchimento correto e detalhado do Reds”, avalia.
De acordo com a chefe da Divisão Especializada de Referência da Pessoa Desaparecida (DRPD), delegada Ingrid Estevam, a ferramenta contribuirá substancialmente para que o cenário sobre o desaparecimento de pessoas em Minas Gerais seja ainda melhor compreendido.
“Para que haja a otimização de políticas públicas voltadas ao trabalho de localização de pessoas, é fundamental termos o ‘mapa’ do desaparecimento no estado. Sabermos o número de desaparecidos e localizados, conhecermos o perfil de desaparecidos, além de tantos outros dados relevantes, é, certamente, um grande avanço da PCMG na matéria de desaparecimento”, destaca Ingrid.
Confira os dados plataforma relativos a Itaúna:
------------------------------------ Receba em seu celular as principais notícias de Itaúna, Minas, do Brasil e do mundo acessando nosso grupo do WhatsApp: https://chat.whatsapp.com/CgeYkgkCjpc5vmjavcgHal